Abertura comercial aumentou nos últimos anos, mas economia brasileira ainda é relativamente fechada, diz estudo
15/07/2025
(Foto: Reprodução) Portos brasileiros são a principal rota do comércio externo
Divulgação
Estudo do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), grupo que realiza debates e elabora estudos propositivos sobre os principais desafios que afetam o país, mostra que o grau de abertura comercial da economia brasileira aumentou nos últimos anos.
Entretanto, também conclui que o Brasil ainda é uma nação com uma economia mais fechada que outros países em desenvolvimento com os quais poderia ser comparado.
🔎Coordenado pelo economista Daniel L. Gleizer, sócio do CDPP, o estudo "Integração Comercial Internacional do Brasil" foi realizado em conjunto com o Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES) e um grupo de especialistas.
Os números de abertura comercial são divulgados em um momento de debate sobre protecionismo causado especialmente pelo aumento de tarifas de importação promovido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Essa política tem sido criticada por outras nações e blocos comerciais.
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Na semana passada, Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto. É a tarifa mais alta entre as novas taxas divulgadas pelo presidente dos Estados Unidos.
Além de fazer menções a temas internos do país – como o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe no Supremo Tribunal Federal –, Trump disse que poderia haver ajustes à medida se o país decidisse "abrir seus mercados comerciais, até agora fechados, para os Estados Unidos e eliminar suas tarifas, políticas não tarifárias e barreiras comerciais".
Entidades da indústria e da agropecuária brasileira manifestaram preocupação com o anúncio e disseram que as taxas ameaçam empregos.
O vice-presidente Geraldo Alckmin vai comandar o grupo de trabalho do governo com empresários para elaborar a resposta brasileira aos ataques de Donald Trump. "Vou tentar brigar em todas as esferas para que não venha a taxação (...) Agora, se não tiver jeito, no papo, no tete a tete, nós vamos estabelecer a reciprocidade: taxou aqui, a gente taxa lá", disse Alckmin.
Milei X Lula
Durante reunião do Mercosul na Argentina no começo deste mês, o presidente do país, Javier Milei, fez críticas abertas ao protecionismo do bloco comercial.
"Se o Mercosul foi criado com a intenção nobre de integrar as economias da região, em algum momento esse norte foi afundando e a ação comercial conjunta terminou por prejudicar a maioria dos nossos cidadãos em prol de privilegiar alguns setores", disse Milei.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, afirmou que estar no Mercosul "protege" os países que integram o bloco.
"Toda a América do Sul se tornou uma área de livre comércio baseada em regras claras e equilibradas. Estar no Mercosul nos protege. Nossa tarifa externa comum nos blinda de guerras comerciais alheias. Nossa robustez institucional nos credencia perante o mundo com parceiros confiáveis", afirmou Lula, na ocasião.
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➡️O aumento da abertura internacional era defendido pelo então ministro da Economia da gestão Bolsonaro, Paulo Guedes, como uma forma de aumentar a competitividade da indústria local e fomentar o crescimento do país.
➡️O governo de Donald Trump, nos EUA, por sua vez, não está adotando princípios liberais em termos e comércio exterior ao aumentar o protecionismo. Na realidade, está indo na direção oposta.
Abertura do Brasil ao comércio
Os autores do estudo usam indicadores para medir a inserção da economia brasileira no mercado global, como, por exemplo, o grau de abertura da economia — medido pela soma das exportações e importações de bens e serviços como proporção do PIB.
Entretanto, eles mesmos informam que não há um consenso em relação aos indicadores a serem usados para medir a inserção comercial de uma economia.
"O indicador usado com maior frequência para essa avaliação é o grau de abertura da economia, medido pela soma das exportações e importações de bens e serviços como proporção do PIB" , diz o estudo.
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Segundo o documento, esse percentual atingiu 34,3% no Brasil na média dos últimos cinco anos (2019-2023), o que representou uma elevação de cerca de 10 pontos percentuais em relação à média dos primeiros cinco anos da década passada (24,5% na média do período 2010-2014).
Apesar do crescimento da abertura do país de acordo com este indicador, diz o estudo, o Brasil continua com uma economia mais fechada que outros países em desenvolvimento com os quais poderia ser comparado – é o caso do México (80%), Índia (43,8%), Vietnã (174%) e Indonésia (39,5%).
Os autores observam, entretanto, que os EUA, apesar de serem o maior comprador mundial e segundo maior exportador, são uma economia ainda mais fechada por este indicador, com grau de abertura de apenas 25,4% no mesmo período.
"É verdade que, em geral, países maiores, em termos de tamanho do PIB, tendem a ser relativamente mais fechados. Há uma razão intuitiva para isso: economias maiores teriam menos necessidade de transacionar com o resto do mundo pois seu grande mercado interno garantiria a escala necessária para produzir parte significativa de seu consumo internamente", diz o estudo.
Ainda assim, os autores argumentam que o reduzido grau de abertura comercial da economia brasileira não pode ser explicado por seu tamanho, pois
os Estados Unidos são a maior economia do mundo (usando o PIB a preços correntes como indicador) e o maior importador mundial, sendo o segundo maior exportador;
a China ocupa o segundo lugar no ranking das maiores economias e o segundo nas importações;
a Índia é a quinta maior economia e a sétima nas importações
o México é a décima-quarta economia e o décimo-segundo maior importador.
o Brasil é a décima-primeira economia do mundo, mas ocupa o 25º lugar no ranking dos maiores importadores e o 23º lugar no ranking dos maiores exportadores mundiais.
"Mais além, o país vem perdendo posições no ranking dos maiores importadores mundiais, tanto de bens quanto de serviços, único caso entre os países selecionados de trajetória negativa deste indicador. Não se pode esquecer que para exportar mais os países precisam importar mais, caso queiram permanecer integrados nas cadeias produtivas internacionais e se manter competitivos', diz o estudo.
Dados de 2023, do Banco Mundial, também mostram que o Brasil é uma economia relativamente fechada ao comércio com o resto do mundo.
"O Brasil nunca foi muito aberto, e não é só o Brasil. Os quatro países do Mercosul têm tarifas relativamente altas frente aos outros emergentes", disse Welber Barral, presidente do Instituto Brasileiro de Comércio Internacional e Investimentos (IBCI) e ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, em fevereiro deste ano.
Como o protecionismo é aplicado?
No caso do Brasil, o protecionismo a determinados produtos, ou seja, aumento do imposto de importação, tem de ser combinado com os demais países do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai) — bloco comercial criado em 1991.
➡️Desde 1994, vigora a chamada Tarifa Externa Comum (TEC), com alíquotas definidas pelos países do Mercosul, que vão de zero a até 20%.
➡️Os produtos com maior valor agregado (tecnologia) costumam ter tarifa mais alta.
➡️Há, ainda, uma lista de exceção à TEC, por meio da qual o governo de cada país pode reduzir ou aumentar o valor do imposto de importação para alguns produtos.
➡️Com isso, a alíquota de importação pode subir a até 35% (limite da OMC), ou ser reduzida a zero, se estiver enquadrada na lista de exceções à TEC.
➡️Considerando essas regras, o IBCI estimou que a alíquota média de importação no Brasil é de 12%, bem superior à dos Estados Unidos (3%).
➡️Dependendo do entendimento do governo brasileiro, em cada momento de sua história, as sobretaxas podem ser aumentadas ou reduzidas, por meio da lista de exceções ou acordos com os países membros do Mercosul.
Oportunidades para o Brasil
No estudo do CDPP, os autores admitem que a chegada de Donald Trump para mais um mandato à frente da Casa Branca aumenta em muito as incertezas sobre os rumos da globalização e do comércio internacional.
"Embora não se possa prever com segurança qual será a reação das principais economias mundiais, há forte risco de reações em cadeia que levem a um aumento generalizado da proteção com impactos disruptivos sobre o comércio internacional", diz o estudo.
Por outro lado, o documento aponta que também que as mesmas tendências que tornam o cenário global mais propenso ao conflito e à competição estratégica abrem oportunidades para países como o Brasil, dotados de ativos relevantes para as agendas “de futuro”, como segurança alimentar e energética e transição verde, entre outras.
"Fomento ao aumento da produtividade da indústria, apoio aos vetores de descarbonização e digitalização, que podem orientar um novo processo de reindustrialização da economia brasileira, redução dos custos de produção de serviços em que o Brasil é ou pode ser competitivo e aumento do bem-estar social com a redução dos preços ao consumidor, particularmente para os decis mais pobres da população, são alguns dos benefícios esperados de uma abertura comercial no Brasil de hoje", conclui o estudo.
Segundo o documento, porém, o Brasil deve perseverar na redução dos altos custos comerciais enfrentados pelas empresas localizadas no país.
"Embora a energia e a descarbonização possam ser impulsionadores essenciais da realocação das empresas industriais para o Brasil, está claro que os custos comerciais afetam as decisões das empresas. É imperativo, portanto, continuar buscando melhorias no ambiente de negócios e nas variáveis que afetam a produtividade das empresas", conclui.